7. A origem do nome

O cineasta mineiro Humberto Mauro (1897-1983), considerado pelo grupo de cineastas do Cinema Novo como o fundador de uma “cinematografia brasileira”, fez seus primeiros filmes ainda na época do cinema mudo, nos anos 1920, na cidade de Cataguazes, interior de Minas Gerais. Os filmes eram feitos ali mesmo, "no fundo do quintal” como se diz popularmente e Mauro, que tinha origem rural, utilizava e valorizava a paisagem do campo em seus filmes pioneiros.

Numa entrevista ao Jornal do Brasil do Rio de Janeiro, em abril de 1973, quando lhe perguntaram como se definia no campo do cinema, Mauro disse: “Não sou literato. Sou poeta do cinema. E o cinema nada mais é do que cachoeira. Deve ter dinamismo, beleza, continuidade eterna”.

Humberto Mauro

Quando José Francisco Filho decidiu levar o cinema para o seu querido sertão, escolheu o nome Ipanema para batizar a sala precursora que se inaugurava. Poderia ter sido Cine Santana (homenagem à padroeira) ou Cine São José (uma homenagem ao santo que dava nome ao pai e a ele mesmo), mas de tudo que existia na cidade que o viu nascer, das memórias afetivas que calavam fundo em sua alma, o que mais se aproximava do cinema era mesmo o mítico “Panema” (uma rima poética para cinema, e se trocar as duas primeiras sílabas por “ci”...); assim como a cachoeira de Mauro lá na Zona da Mata das Gerais, o célebre rio que nasce em Pernambuco e tem sua foz em Alagoas tinha “dinamismo, beleza e continuidade eterna”.

O mítico rio que emprestou o nome para a sala de exibição pioneira

José e Humberto não se conheciam, não importa. O que importa é essa sintonia cósmica entre os dois pioneiros do cinema no interior, cada um ao seu modo, mas ambos reverenciando e homenageando a paisagem natural onde cresceram livres e felizes, o “cinema transcendental” no dizer de outro poeta, o baiano Caetano Veloso.

O pesquisador, professor, escritor, crítico e ensaísta Paulo Emílio Sales Gomes, autor do livro seminal “Humberto Mauro, Cataguazes, Cinearte” (1974), disse sobre o pioneiro cineasta brasileiro:

“Mauro se pôs a fazer cinema não porque fosse intelectualmente moderno, pois não o era, mas porque possuía o gosto e o talento da mecânica. Inicialmente, foi o lado mecânico da máquina de filmar que o conquistou. O que permitiu a Mauro superar-se intelectualmente foi a alegria criadora do manejo de uma máquina de filmar.”

O mesmo se pode dizer de Zé Francisco, não era um intelectual no sentido pleno que conhecemos hoje, mas era um homem culto, sempre aberto ao novo. Quando chegou da guerra, por exemplo, trouxe uma preciosa coleção de fotografias que incluía cenas das cidades históricas de Pompéia e Herculano (destruídas pela erupção do vulcão Vesúvio, no ano 79 na Itália), e uma iconografia completa sobre a vida de Napoleão Bonaparte que adquiriu na França. Tinha então apenas 24 anos. Em sua casa em Campina Grande, as estantes eram repletas de coleções de livros que adquiria regularmente, clássicos como a "História Universal" do notável intelectual e escritor italiano Cesare Cantù, obra de fôlego diluída em 72 volumes, e os romances futuristas de Jules Verne (tido como um dos pais da ficção científica) podiam ser encontrados naquela diversificada biblioteca particular.

Em 1959 reviveu os tempos do Cine Ipanema promovendo uma exibição pública do filme "Céu sobre o pântano- Santa Maria Goretti" no meio da rua, com um projetor que tomou emprestado do SENAI onde lecionava, mais de uma centena de pessoas se aglomerou para ver aquele cinema de graça, ao ar livre, franqueado para todos sem distinções.

Na música a ópera "Carmem" de Bizet, o "Bolero" de Ravel e o tango "La Cumparsita, eram as suas preferidas. Sobra dizer que era um frequentador assíduo do Cine Avenida, cinema do bairro da Prata onde morava. Em 1962 adquiriu um dos primeiros televisores que apareceram no comércio local e recebia generosamente -como nos tempos do cinema-os chamados "televizinhos" para compartilhar a programação das TVs Radio Clube, Canal 6 e Jornal do Comércio, Canal 2 de Recife e TV Borborema, Canal 3 de Campina Grande.

A informação diária chegava na casa de Zé Francisco através dos jornais Diário da Borborema, Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio, Última Hora e O Globo( estes do Rio de Janeiro), comprados todos os dias da semana. Também lia semanalmente as revistas O Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos e Veja.

Assim como Mauro, além do primeiro encantamento com as imagens em movimento, o pendor para a mecânica e a alegria do manejo de um projetor cinematográfico, ou como se dizia na época “máquina de passar filmes” (novidade indiscutível naquele momento), conquistou o jovem José Francisco Filho e o arrebatou definitivamente para o fascinante mundo do cinema.

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