5. A origem de tudo

Filho do mestre em ourivesaria José Francisco de Azevêdo e Maria das Dores Pereira de Azevêdo, Zé Francisco Filho era irmão de Maria do Amparo Pereira de Azevêdo. Casado com a professora baiana Wanda Elizabeth Ferreira de Azevêdo Filho ele era sobrinho, por parte de mãe, de Dona Clemencia Pereira, a “madrinha Quelé”, que mantinha uma das primeiras pensões de Santana e tinha como hóspede o hoje quase mitológico coronel José Lucena Maranhão, segundo prefeito constitucional da cidade e primeiro deputado estadual representando Santana na Assembleia Legislativa do Estado no ano de 1950 (o coronel Lucena morreu em maio de 1955, licenciado do cargo de prefeito da capital Maceió para tratamento de saúde em Recife). Zé Filho era primo legítimo dos irmãos Raul e José Pereira Monteiro (da coletoria), filhos de Dona Ana Rosa, irmã de Dona Dorinha sua mãe. Por parte do pai, Zé Filho era primo de Zé Azevedo, sobrinho de José Francisco.

Vamos abrir um parentese para relatar um fato no mínimo curioso protagonizado pelo ourives José Francisco (pai). Na época em que os cangaceiros assombravam o sertão e ameaçavam invadir as cidades para saquear tudo, José protegeu seu patrimônio de forma criativa e inteligente: derreteu todo ouro e prata que tinha e transformou em grossos pregos que pregou nas paredes da casa e usava como cabide para chapéus, sobretudo, toalhas... Quando precisava do ouro ou da prata para confeccionar suas apreciadas alianças, correntes, pingentes e outras jóias feitas com muito esmero e arte, pegava um desses "pregos", derretia e usava.

José Francisco de Azevedo e sua esposa Maria das Dores Pereira de Azevedo, pais de Zé Filho

José Francisco Filho conheceu a baiana de Salvador Wanda Elizabeth no Rio de Janeiro no dia do desfile dos pracinhas que retornavam vitoriosos dos campos de batalhas na Itália. Ela, que ainda não tinha completado 18 anos, morava com a tia Alice e o esposo (que eram hóspedes residentes do célebre hotel Copacabana Palace) e estudava num dos colégios da então Capital Federal. Na manhã de 18 de julho de 1945 foi com as colegas estudantes dar as boas vindas aos heroicos soldados brasileiros que desembarcavam no porto do Rio vindos da Europa. No desfile triunfal dos pracinhas na Avenida Rio Branco no centro da cidade tomado por mais de 800 mil pessoas (segundo crônica da época), ela viu o “cabo Filho”, airoso em seu traje de combate mas exausto pelos mais de 15 dias de viagem de navio do Velho Continente até o Brasil. Ele usava um legítimo óculos Ray-Ban (presente de um colega do exército americano) para esconder as olheiras provocadas pelas noites mal dormidas na travessia do Atlântico, e ostentava na face um vasto bigode negro que deixaria de usar anos depois. A jovem estudante soteropolitana não resistiu. Foi amor à primeira vista. Depois de uma longa troca de cartas, casaram-se em 1948 e foram morar em Campina Grande-PB, onde os esperava um tio de José por parte de mãe (o também santanense Francisco Alves Pereira) que era diretor geral da empresa multinacional Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro-Sanbra (hoje Bunge) e tinha uma vaga de trabalho para o sobrinho.

No final da década de 1940, depois do nascimento do primeiro filho Gilvan, resolveram morar em Santana onde ainda residiam os pais e a irmã de José. Ele tinha 28 anos, ela 22. Ao chegarem, Wanda logo assumiu o cargo de professora de geografia no recém-fundado Ginásio Santana, ele decidiu realizar o antigo sonho abrindo o primeiro cinema da cidade.

José e Wanda com o primogênito Gilvan em fevereiro de 49, antes do embarque para Santana

No mês de março de 1949, Zé Filho acomodou a esposa e o recém nascido na casa dos pais e partiu para Recife onde comprou o projetor de 16 milímetros e foi pessoalmente assinar o contrato de exibição na distribuidora de filmes RKO Radio Filmes, que ficava no Recife Antigo na rua Marquês de Olinda, 820. O primeiro contrato firmado pelo Cine Ipanema tinha a duração de 12 meses a partir de 1 de abril de 49 até 31 de março de 50. Pelo contrato seriam exibidos 4 filmes da RKO por mês num valor total de CR$ 13.780,09 (treze mil, setecentos e oitenta cruzeiros e nove centavos).

Primeiro contrato do Cine Ipanema com a RKO Filmes em abril de 1949

Zé Filho aproveitou essa primeira viagem para fechar outro contrato, dessa vez com a Paramount Films que ficava na mesma rua, número 290. Esse contrato foi renovado em janeiro de 1950 conforme atesta a carta abaixo:


Ainda em Recife, em março de 49, entrou no número 200 da Marquês de Olinda, endereço da Metro-Goldwyn-Mayer, a produtora do leão que ruge na abertura dos filmes, fechando um novo contrato de exibição.

Em todos os contratos uma observação: Via Férrea p/ Palmeira dos Índios-Alagoas, ponto final do ramal ferroviário que unia Pernambuco a Alagoas. Naquela época, grande parte da distribuição de filmes era feita via estrada de ferro.

Recibo de um frete ferroviário da Great Western Railway, datado de 31 de agosto de 49, devolução de um filme para a distribuidora RKO em Recife

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