20. The End

No final do ano de 1951 o projetor americano marca Thompson do Cine Ipanema foi desligado pela última vez. A tela retangular branca do salão no primeiro andar do sobrado neoclássico foi removida. Restaram as paredes, testemunhas mudas de uma época de sonhos, alegria, algazarra, emoção, compartilhamento. No espaço vazio do velho Cine Ipanema ficou apenas a lembrança dos heróis de luz e sombras que um dia povoaram o imaginário mitológico de uma cidade que dava os seus primeiros passos no caminho da Idade Moderna, guiados pela lanterna mágica da Sétima Arte. O Cine Ipanema teve uma curta existência, mas o suficiente para deixar a indelével marca do pioneirismo, do marco inaugural de uma atividade de lazer cultural coletivo, de acesso democrático, sem diferenças, uma janela para ver o mundo a partir de Santana mesmo, sem necessidade de viajar fisicamente, apenas viajar nas asas da imaginação, do sonho, do encantamento.

(O sobrado seria demolido no ano de 1961, dez anos depois do fechamento do Cine Ipanema)

O pioneiro cinema de Zé Filho abriu caminho para o Cine Glória e, posteriormente, o Cine Alvorada.

O casal, José e Wanda, voltou para Campina Grande onde teve mais 5 filhos (os gêmeos Rômulo e Romero, Silvio (que faleceu prematuramente ainda bebê), Elizabeth e Danuza).

Gilvan (esq.), primogênito, formado em Direito e Teologia é pastor da Igreja Luterana no Canadá. Fernando (Badú, in memoriam), único nascido em Santana, tinha formação em Educação Fisica e era professor aposentado da rede estadual de ensino.

Rômulo Azevedo (esq.), é advogado e jornalista, professor da Universidade Estadual da Paraiba. Romero Azevedo, jornalista, professor aposentado da UFCG, autor do blog Memoria do Cine Ipanema - 72 anos.

Elizabeth Ângela (esq.), formada em Serviço Social é servidora pública em Brasília. Danuza é advogada e tem formação em Serviço Social, atua profissionalmente em João Pessoa.

Zé Francisco deu aulas de mecânica de automóveis no SENAI, depois foi nomeado auditor fiscal da Receita Estadual da Paraíba, era técnico em contabilidade, profissão que exerceu até se aposentar. No início da década de 1980, ele participou como consultor e coletor de peças raras para a criação do Museu Histórico de Campina Grande (era um "expert" em avaliar e adquirir essas peças em todo o Brasil).

Zé Filho é o principal personagem do documentário "Os Nove do Angico", produção e direção do pesquisador Charles Garrido abordando o destino das nove cabeças dos cangaceiros decapitados na grota do Angico juntamente com Lampião e Maria Bonita (disponível aqui).


Entrevista de José Francisco Filho aos jornalistas Romero Azevedo e Creusa Oliveira, em 1994, e que inspirou a produção do documentário "Os Nove do Angico"

Dona Wanda lecionou nos principais colégios privados e públicos de Campina Grande, tendo sido catedrática da disciplina Geografia no Colégio Estadual da Prata (conhecido como “Gigantão”) a partir da fundação daquele educandário em 1953. Também fundou e dirigiu colégios da rede estadual de ensino nos bairros de José Pinheiro e Liberdade nos anos 1960. Mais tarde, na década de 1970, foi Secretária do Trabalho e Bem Estar Social do município por 9 anos (duas administrações seguidas). Colaborou regularmente durante anos com crônicas semanais nos jornais locais, era membro fundador da Academia Campinense de Letras e é uma das patronas do Instituto Histórico de Campina Grande. Foi agraciada pela Câmara Municipal com o titulo de Cidadã Campinense e tem seu nome perpetuado em uma das ruas da cidade. Tinha formação em Pedagogia.

Os pais de Zé Filho foram morar em Campina Grande na primeira metade dos anos 1960, numa casa que ficava a menos de cem metros da dele. José pai morreu em 1983, tinha 88 anos; dona Dorinha, mãe, morreu em 2001 aos 103 anos de idade.

Dona Dorinha e José Francisco de Azevedo em Campina Grande na década de 1970

José Filho e sua irmã Amparo embora morando em Campina Grande nunca esqueceram o seu querido pé de serra. Foram eles que transmitiram para nós o amor, verdadeira devoção, à cidade que os viu nascer, onde passaram dias felizes na infância e adolescência, com a alma em festa nas cheias do mítico "Panema", e na primeira fase da vida adulta quando juntos concretizaram o sonho pioneiro do Cine Ipanema.
Quando estávamos finalizando esse relato, pedimos a nossa tia Amparo (que nós chamamos carinhosamente de Pau) para definir Santana numa palavra. Ela franziu a testa, surpresa com a pergunta, mirou o horizonte, suspirou profundamente e antes que uma lágrima que começava a se formar descesse sobre seu rosto, respondeu num sussurro: "Saudade".


A casa de Zé Filho e sua esposa Wanda Elizabeth na Paraíba era uma verdadeira “embaixada do sertão alagoano”, sempre recebiam e hospedavam parentes, amigos e aderentes. Essa diplomacia carinhosa e afetiva permaneceu até o fim de suas vidas. A dele em 25 de abril de 1995 aos 74 anos, a dela em outubro de 2011, aos 84 anos. O casal deixou 6 filhos, 19 netos e 15 bisnetos.

José Francisco e Wanda Elizabeth em 1978

A irmã, Maria do Amparo Pereira de Azevedo, morreu aos 97 anos em janeiro de 2020, em Campina Grande-PB; a cunhada Wilma Ferreira de Freitas, última testemunha viva desse momento  histórico, está com 88 anos, lúcida, viúva de Hélio Freitas, no Rio de Janeiro.

Wanda Elizabeth, in memoriam,  (esposa de Zé Filho) e sua irmã Wilma Freitas em 2010

Maria do Amparo( in memoriam), irmã de Zé Filho, em 2009

Essa é a história do primeiro cinema implantado em Santana do Ipanema há 75 anos.

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