19. Tarzan, guerra, “noir” e épicos

Quem acompanha a história do cinema sabe que o ator que melhor encarnou no século 20 o personagem Tarzan criado na literatura pelo escritor norte-americano Edgar Rice Burroughs foi o ex-campeão olímpico de natação Johnny Weissmuller, também é fato que o melhor Boy (filho adotivo de Tarzan e Jane) foi o ator Johnny Shefield. Dois exemplares dessa série de sucesso mundial produzida pela RKO foram exibidos em Santana: “Tarzan em Terror no Deserto” e “Tarzan, o Vingador”, ambos de 1943.

Johnny Weissmuller e Frances Gilford em "Tarzan, o vingador"

O Cine Ipanema ainda exibiu filmes produzidos na década de 1940, um período muito fértil dos estúdios de Hollywood que valendo-se do fato de os Estados Unidos estarem participando de uma guerra mas fora de seu território geográfico, intensificou o número de películas produzidas para poder suprir os mercados mundiais que já não podiam dispor dos filmes europeus em suas telas por motivos óbvios.

Dessa safra de filmes, o drama ambientado na segunda guerra “Cinco Covas no Egito”, dirigido por Billy Wilder em 1943, com Anne Baxter e o estupendo Erich von Stroheim interpretando o Marechal de Campo nazista Erwin Rommel, emocionou o público numa das sessões noturnas do velho cine.

Pôster de "Cinco Covas no Egito"

Roteirizado pelo próprio Wilder e Charles Brackett, tendo como base a peça do austro-húngaro Lajos Biró, “Cinco Covas no Egito” não é um filme de ação com ênfase nas cenas de combate. O diretor Billy Wilder, um migrante austríaco que fugira dos horrores do nazismo buscando refúgio seguro em Hollywood, preferiu uma abordagem centrada nos conflitos humanos, uma “guerra de personalidades” tendo como cenário um hotel no meio do deserto egípcio em plena segunda guerra. O microcosmo multinacional humano, representado por um inglês, um árabe, uma francesa e os alemães, todos confinados no hotel que é um “não-lugar” (no conceito proposto por Marc Augé), gera uma poderosa metáfora sobre a intolerância, inconsciência e a estupidez de uma guerra, onde afinal todos perdem.

Esse filme fez o "cabo Filho" relembrar os momentos vividos nos campos da Itália na dura batalha contra os exércitos de Hitler e Mussolini. Sobre as encenações da guerra feitas nos filmes ele costumava dizer com uma pitada de ironia: “Se a guerra real fosse como é no cinema seria uma maravilha”.

O “film noir”, subgênero de filme policial que predominou no cinema americano entre os anos 1939-1950, teve alguns exemplares exibidos em Santana. A dupla de atores formada por Alan Ladd e Veronika Lake estrelou alguns destes hoje clássicos do cinema em preto-e-branco. “Alma Torturada” é um deles, essa produção de 1942 foi exibida pelo Cine Ipanema em 28 e 29 de novembro de 1950.

Veronica Lake e Alan Ladd no ótimo "noir" "Alma Torturada", produção da Paramount

Recibo de pagamento à Paramount Films do aluguel do filme "Solar das Almas Perdidas"

Nas noites dos dias 10 e 11 de junho de 1950, o Cine Ipanema lotou para ver a saga dos três irmãos ingleses adotados que se juntam à Legião Estrangeira francesa no norte da África, depois que um deles rouba a famosa safira de herança da família adotiva. O filme era o épico clássico “Beau Geste”, baseado no romance do inglês Percival Christopher Wren, dirigido por William A. Wellman e estrelado por Gary Cooper, Ray Milland e Robert Preston (os 3 irmãos) e Susan Hayward.


“As Quatro Penas Brancas” dirigido pelo austro-húngaro Zoltan Korda, “Gunga Din” com Cary Grant e Joan Fontaine foram dois filmes épicos que fizeram vibrar o público no escurinho do primeiro andar do velho sobrado onde funcionava o Ipanema. A lista de títulos é longa, nos detemos nestes apenas para dar uma ideia do excelente cardápio cinematográfico servido por Zé Filho aos entusiasmados frequentadores do velho Cine Ipanema.


Cada sessão era um degrau a mais que aqueles espectadores neófitos subiam em direção ao desvelamento daquela arte única que se tornou possível graças a um fenômeno ótico conhecido como persistência da retina que todo ser humano carrega em seu conjunto ocular. Luzes apagadas na sala, entrava em ação o aparato que embaralhava imagens e sons provocando ora risos, ora lágrimas, ora fazendo o coração disparar na mais legítima emoção, ora relaxando a plateia no êxtase consagrador do beijo cinematográfico trocado entre o “artista” e a “mocinha”. Naqueles primórdios, uma sessão de cinema exigia apenas a atenção de dois sentidos: a visão e a audição. Sem embargo o impacto das imagens animadas revolvia todo corpo, puxando psicologicamente para dentro da cena aquela plateia de olhos arregalados e ouvidos atentos.

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